quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Festa no galinheiro


Todos os anos, pelo menos duas vezes, vamos visitar a minha mãe em Santa Rosa. Para mim é um retorno ao cenário de infância que pouco mudou. Para Laura é uma troca do ambiente urbano pelo rural com muita permissividade e múltiplas possibilidades. Cada ano ela e sua prima inventam alguma coisa nova para sua semana de férias. Teve um ano que elas corriam como loucas pelos caminhos e lavouras com um bugui, perseguidas pelos fiéis cachorros, lembrando cenas do filme Mulheres à beira de um ataque de nervos,de Almodovar. No ano passado fizemos uma fogueira de São João que durou 6 dias com direito a batata doce na brasa, pinhão e fogos de artifício.

Este ano foi a vez do galinheiro, coitado, abandonado e desgalinhado por muitos anos. Como o frio deste inverno estava intenso demais para aventuras a céu aberto, as duas resolveram dar uma garibada no galinheiro. Varrer, pregar caixotes nas paredes, repregar tábuas soltas.
Uma pia improvisada abastecida com o regador. Uma mesa sobre frágeis patas de aluminio foi estabilizada com o peso de uma abóbora.







Dois pneus velhos guarnecidos de duas almofadas serviam de confortável sofá, enquanto desenhavam




No inverno gaúcho não pode faltar o fogo de chão, sempre transformando qualquer ambiente em aconchego. No fogo não pode faltar o salsichão acompanhado de pão de alho. Na minha infância, no inverno, meus pais carneavam um porco e um boi. Escolhiam o frio da estação por causa da falta de moscas e da melhor conservação da carne. Dos animais só sobravam os ossos. Os cachorros se jogavam pelos cantos, redondos, pareciam que iriam explodir a qualquer momento. A mim cabia a função de manivelador da máquina de encher linguiça, mexedor do panelão de banha com uma enorme colher de pau preta nas pontas, para que o toucinho não grudasse no fundo da panela. No fim de tudo também mexia o panelão onde todas as sobras viravam sabão. Também apertava o torniquete da prensa de banha. O ambiente sempre frio mas aquecido pela fogueira do caldeirão. Com tantos anos de horas-caldeirão acho que teria créditos suficientes para receber a titulação de auxiliar de bruxa.
Mas idos foram estes tempos. Minha mãe rendeu-se aos limites da idade e aos confortos da modernidade. A linguiça agora vem do supermercado bem como as verduras. Ela abandonou o forno de lenha mas continua assando pão no forno elétrico. O sítio tem muitas frutíferas cujos frutos rendem deliciosas geléias.


O ripado do galinheiro deveria servir de exaustor, mas a fumaça não sabia disso.

Acompanhar a lenta transformação de um espaço abandonado em uma gostosa atmosfera invernal pelas crianças dá uma sensação de que por isso também a vida vale a pena. Existe muita plenitude e eternidade nestas coisas tão simples.




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7 comentários:

Neide Rigo disse...

Rui, que fantástico. Eu também fazia destas na minhas férias no sítio dos meus avós. Só que não era o galinheiro. Era o paiol. Fofas, estas duas. beijos, N

Eliane disse...

Lindo texto, belas fotos.
Bom dia,
Eliane.

Marcos disse...

Rui
Esta experiência aparentemente simples e descomplicada para as meninas contém em si uma densidade existencial ENORME impossível de ser mensurada.
E você, com esse seu olhar agudo de sacação infinita, não poderia mesmo deixar passar!
Abraços

Eliane disse...

P.S. O seu texto me lembrou de um livro, que você, por ser ceramista talvez já conheça, mas eu queria registrar aqui. Chama-se "A Psicanálise do Fogo", de Gaston Bachelard.

Uma das páginas mais bonitas dele é justamente dedicada ao argumento de que o aprendizado do fogo se dá em casa, sendo, portanto, familiar e social. Ali, Bachelard conta sua própria experiência, ao aprender a lidar com o fogo com o seu pai.

Um abraço,
Eliane Lordello.

falando... disse...

uma das melhores postagens deste blog...

vanessa disse...

Oi rui
Como sempre, um expert com as palavras. Que dom magnífico... Nem precisariam as fotos, pois o texto em si já é ilustrativo... Mas a Laura tá lindona de gorro...
beijinhos, vanessa

Ana Canuto disse...

Tudo muito lindo. Este post rendeu-me boas lembranças de infância, como a sua, como a das meninas.

Bom finde.