sábado, 31 de janeiro de 2009

Resgate




"Pobres das flores nos canteiros de jardins regulares.
Parecem ter medo da polícia...
Mas tão boas que florescem do mesmo modo
E tem o mesmo sorriso antigo
Que tiveram para o primeiro olhar do primeiro homem
Que as viu aparecidas e lhe tocou levemente
Para ver se elas falavam..."
Aut: Parece de Mário Quintana mas é de Fernando Pessoa


Muitas de minhas plantas carregam consigo uma história.
Minha irmã, Mirian, morreu em 1993, era bióloga.
Quando voltamos da Alemanha fomos morar no mesmo apartamento onde ela vivia, que nos foi cedido pela minha outra irmã, Gladis. Em um canto da despensa encontrei uma enorme garrafa com uma rolha e dentro dela um jardim de plantas mortas. Minha irmã mantinha uma estufa em um meio ambiente fechado, que nunca precisa ser aberto. As plantas ficam muito bem por anos a fio se ficassem expostas ao sol algumas horas do dia. Depois da morte da Mírian, Gladis retirou o viveiro da sacada e o colocou na sala. Desconhecendo a necessidade de sol deixou as plantas ali e em poucos meses estavam mortas. Dois anos depois encontrei este viveiro com plantas esturricadas e fui esvazia-lo para utilizar o vidro. E qual foi a minha surpresa quando encontrei uma única plantinha viva de tamanho e forma de um grão de arroz com a cor verde. Plantei-a em um vasinho. Ela se desenvolvia timidamente. Era tão pequena que eu não sabia que se tratava de um cactos - Este da foto acima. Em todas as minhas mudanças cuidei dele com muito carinho. Já teve inúmeros filhos. Pela foto dá para ver que está bem velhinho.
É estranho. Mas parece que esta planta é um vínculo vivo entre nós. Não acompanhei diretamente a doença e morte da Mírian, pois estava na Alemanha. Esta plantinha parece que ficou dois anos em compasso de espera...
Alguns anos depois morre a minha outra irmã, vítima do mesmo tipo de câncer.

Para eliminar qualquer significado místico desta história termino com outro trecho de Fernando Pessoa:

"O mistério das coisas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio e que sabe a árvore
E eu que não sou mais do que eles, que sei disso?
...
As coisas não têm significação: têm existência.
As coisas são o único sentido oculto das coisas."

6 comentários:

Marcos disse...

Amigo Rui
Esta referência palpável de algo tão íntimo deve ser, sem dúvida, cuidada como um grande tesouro.
Obrigado por partilhar conosco de algo tão precioso.
Abraços

Anônimo disse...

Rui,

Sinto muito por suas irmãs, deviam ser talentosas, ao que parece. Como é feita esta estufa?

Que linda flor e que bom que pode reproduzi-la.

Anônimo disse...

Oi Silvia.
A ideia principal desta estufa é criar um ambiente que não interaja com o exterior. Como se fosse um mundo à parte.O ideal é colocar plantas que gostem de ambientes úmidos e quentes. Tu colocas mais ou mens uns 10 cm de terra no fundo de um pote de vidro com uma tampa grande onde não entre ar.Ali podes plantar avencas, samambaias. Deixe o solo húmido e sele o pote. A água vai completar seu ciclo dentro do pote. E as plantas entrarão em um equilibrio em determinado momento. É importante que elas tenham acesso à luz solar.
Boa sorte!

Anônimo disse...

Já que posso começar a fazer com samambaias, vou experimentar. Valeu!

Anônimo disse...

Olá Rui. Por acaso sua irmã era uma teóloga luterana e militava nas questões feministas e era casada com Claudio, (não me recordo o sobrenome)? Se for, minha esposa, Sirley, fez muitos trabalhos com ela. Caso positivo, confirme pelo e-mail profvalese@superig.com.br.
Grato,
Rui Valese

João Pedro Meyer disse...

OI, Rui, legal eu ter notícias tuas e o teu trabalho maravilhoso!
Somente agora fiquei sabendo da Miriam e da Gladis.
Eu estou morando e trabalhando em Esteio.
Abraço.
Onde fica a loja?